What is Nostr?
pollyanna
npub1fcy…9c3g
2024-11-06 01:33:13

pollyanna on Nostr: mais um conto de 2020. eu achava que eram 18, mas foram 21. esse é o décimo sétimo ...

mais um conto de 2020. eu achava que eram 18, mas foram 21. esse é o décimo sétimo

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A janela parecia a única coisa a ser vista no ônibus em movimento. Mas através dela se podia ver a paisagem que se esvaia em poucos segundos, deixando a impressão de que as coisas aparecem e reaparecem o tempo todo.

E não eram só as paisagens que o menino podia ver à sua frente. Seus pensamentos lhe traziam outras imagens de tudo o que já tinha vivido ao percorrer aquele caminho tantas vezes.

Pela primeira vez ele estava sozinho. Não havia mais ninguém no ônibus, com exceção do motorista que não parecia querer estar ali, com sua camisa abotoada de um jeito que deixava o lado direito mais curto.

O menino abriu um livro em uma página aleatória porque já o conhecia de cor e queria criar uma nova história. Quando olhou, no meio da página apareceu a figura de um girassol.

Aquela imagem nunca estivera ali, ele tinha certeza. Tocou a figura para ver se alguém a tinha colocado e sentiu uma textura inesperada. Em seus dedos ficaram resquícios daquilo que tocara. Um pó. Ele se perguntou se poderia ser pólen. Não importava muito. Olhou para a ponta de seu dedo indicador e viu um grão com muita nitidez. Talvez nunca tivesse visto algo com tanta clareza.

No mesmo instante o menino foi sugado para dentro do grão que caiu novamente dentro do livro. O menino estava preso em sua história favorita, entre palavras, páginas e um girassol que misteriosamente surgira. Ele tentava percorrer aquelas páginas com a esperança de conseguir sair - em vão.

Chegou pela décima vez na página do girassol e lá resolveu se recostar. Deitou bem em cima da flor e foi como se alguém o embalasse. Entrou em um sono profundo.

Despertou de súbito quando sua cabeça bateu na janela de vidro e se assustou. O ônibus acabara de fazer sua última parada. Ele precisava descer.

Procurou o livro, mas não o encontrou em parte alguma. Perguntou ao motorista, que lhe pareceu tão perdido que nem importava a resposta. O menino deu uma última olhada e desceu.

Sentou-se no chão da calçada para procurar em sua bolsa. O livro desaparecera.

Era como se o ar não pudesse completar todo o percurso em seu corpo. Algo lhe parecia faltar e era importante.

Sentiu aquilo tudo com intensidade, até que viu, do outro lado da rua, um girassol. Se lembrou de tudo o que ocorrera naquele dia e sentiu um alívio como se estivesse novamente inteiro. Ele sabia: o livro tornou-se desnecessário. Já estava integrado em si.
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