The Narrator on Nostr: **Não há limite para os abusos do STF** *Editorial da Gazeta do Povo publicado em ...
**Não há limite para os abusos do STF**
*Editorial da Gazeta do Povo publicado em 24/04/2025*
Sem surpresa alguma, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, por unanimidade, na última terça-feira (22), o ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, e mais cinco envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Martins é apontado pela Procuradoria-Geral da República como o responsável por apresentar e sustentar, a Bolsonaro, uma suposta minuta que decretaria estado de sítio no país, com o objetivo de dar legitimidade ao alegado golpe.
Embora o resultado fosse esperado — uma vez que a Primeira Turma já havia aceitado, no final de março, a denúncia da PGR contra o ex-presidente e outros sete aliados, incluindo quatro oficiais-generais das Forças Armadas —, as aberrações cometidas antes e durante a sessão chamaram a atenção e podem ser consideradas um novo marco nos abusos do STF nos processos envolvendo os acusados dos atos de 8 de janeiro.
Diversas medidas determinadas pelos ministros da corte atropelaram garantias básicas previstas na Constituição e no Código de Processo Penal – documentos que devem servir de fio condutor para qualquer julgamento, especialmente um de tamanha gravidade. Antes mesmo da sessão, Filipe Martins – que já havia passado seis meses preso sem justificativa plausível – foi proibido, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, de aparecer em qualquer imagem durante seu deslocamento ou na sessão, mesmo que a gravação fosse feita por terceiros, sob risco de prisão.
Não há, nem nunca houve, qualquer base legal para tal medida. Segundo a Constituição, a publicidade dos atos processuais só pode ser restringida quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, o que não se aplicava ao caso. Tampouco o Código de Processo Penal prevê medida cautelar com esse caráter. Não é preciso ser jurista para compreender o quão arbitrário – e até bizarro – seria prender uma pessoa por ter sido filmada por terceiros, sem seu conhecimento ou consentimento. Ainda assim, foi exatamente isso que previu a imposição de Moraes. No início de abril, o ministro já tinha aplicado uma multa de R$ 20 mil a Martins por ter aparecido em um vídeo no Instagram, publicado por seu advogado, Sebastião Coelho. Na ocasião, Moraes argumentou que houve descumprimento de medida cautelar, embora a decisão original proibisse apenas o uso de redes sociais por parte de Filipe Martins – e não sua aparição em postagens alheias.
A limitação imposta à liberdade de locomoção de Martins em Brasília foi mais uma ilegalidade evidente. Embora tenha autorizado sua presença na sessão do STF, Moraes determinou que ele só poderia circular entre o aeroporto, o hotel e o prédio do Supremo, além de proibi-lo de “exercer qualquer atividade política” durante a viagem. Nenhuma dessas restrições possui amparo jurídico.
A própria sessão foi marcada por medidas sem precedentes, como a exigência de lacração dos celulares de todos os presentes – advogados, jornalistas e demais participantes. Os aparelhos foram recolhidos e selados em envelopes, supostamente para impedir o registro de imagens, já que a filmagem ou fotografia de Filipe Martins estava proibida. Além de configurar cerceamento evidente ao trabalho da imprensa, a medida prejudicou a atuação da defesa e carecia de qualquer respaldo legal, como reconheceu a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que participou da sessão como observadora.
O tom da sessão seguiu na mesma linha: atropelos ao devido processo legal. Assim como fizera na sessão que tornou Jair Bolsonaro réu, Moraes exibiu imagens que não constavam dos autos – como a de um ônibus incendiado, ocorrido em data e contexto diferentes dos fatos julgados. Outro ponto grave foi o acesso negado à defesa a dados de geolocalização que poderiam comprovar a ausência de Martins em reuniões citadas na denúncia. Segundo os advogados, os dados estavam sob custódia da Polícia Federal após quebra de sigilo, mas não foram incluídos nos autos.
Como se não bastasse, Alexandre de Moraes ainda usou sua fala durante a sessão para se posicionar contra a anistia, referindo-se ao 8 de janeiro como “tentativa de quebra do Estado Democrático de Direito” e comparando o episódio à ação de um “grupo armado organizado”. Postura destoante da de um magistrado que deveria atuar com neutralidade e imparcialidade.
Numa democracia, qualquer julgamento – do mais simples ao mais complexo, independentemente de quem esteja sendo julgado – deve ser pautado pelo devido processo legal. O cumprimento rigoroso dessas normas é a única garantia de um julgamento justo. Quando esse rigor é abandonado para dar lugar a invencionices e arbitrariedades, ainda que sob o pretexto de boas intenções, não são apenas os julgamentos que se tornam injustos: é a própria Justiça que acaba ferida de morte. Infelizmente, o STF parece determinado a seguir por esse caminho.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/filipe-martins-reu-abusos-stf/
*Editorial da Gazeta do Povo publicado em 24/04/2025*
Sem surpresa alguma, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus, por unanimidade, na última terça-feira (22), o ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, e mais cinco envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Martins é apontado pela Procuradoria-Geral da República como o responsável por apresentar e sustentar, a Bolsonaro, uma suposta minuta que decretaria estado de sítio no país, com o objetivo de dar legitimidade ao alegado golpe.
Embora o resultado fosse esperado — uma vez que a Primeira Turma já havia aceitado, no final de março, a denúncia da PGR contra o ex-presidente e outros sete aliados, incluindo quatro oficiais-generais das Forças Armadas —, as aberrações cometidas antes e durante a sessão chamaram a atenção e podem ser consideradas um novo marco nos abusos do STF nos processos envolvendo os acusados dos atos de 8 de janeiro.
Diversas medidas determinadas pelos ministros da corte atropelaram garantias básicas previstas na Constituição e no Código de Processo Penal – documentos que devem servir de fio condutor para qualquer julgamento, especialmente um de tamanha gravidade. Antes mesmo da sessão, Filipe Martins – que já havia passado seis meses preso sem justificativa plausível – foi proibido, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, de aparecer em qualquer imagem durante seu deslocamento ou na sessão, mesmo que a gravação fosse feita por terceiros, sob risco de prisão.
Não há, nem nunca houve, qualquer base legal para tal medida. Segundo a Constituição, a publicidade dos atos processuais só pode ser restringida quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, o que não se aplicava ao caso. Tampouco o Código de Processo Penal prevê medida cautelar com esse caráter. Não é preciso ser jurista para compreender o quão arbitrário – e até bizarro – seria prender uma pessoa por ter sido filmada por terceiros, sem seu conhecimento ou consentimento. Ainda assim, foi exatamente isso que previu a imposição de Moraes. No início de abril, o ministro já tinha aplicado uma multa de R$ 20 mil a Martins por ter aparecido em um vídeo no Instagram, publicado por seu advogado, Sebastião Coelho. Na ocasião, Moraes argumentou que houve descumprimento de medida cautelar, embora a decisão original proibisse apenas o uso de redes sociais por parte de Filipe Martins – e não sua aparição em postagens alheias.
A limitação imposta à liberdade de locomoção de Martins em Brasília foi mais uma ilegalidade evidente. Embora tenha autorizado sua presença na sessão do STF, Moraes determinou que ele só poderia circular entre o aeroporto, o hotel e o prédio do Supremo, além de proibi-lo de “exercer qualquer atividade política” durante a viagem. Nenhuma dessas restrições possui amparo jurídico.
A própria sessão foi marcada por medidas sem precedentes, como a exigência de lacração dos celulares de todos os presentes – advogados, jornalistas e demais participantes. Os aparelhos foram recolhidos e selados em envelopes, supostamente para impedir o registro de imagens, já que a filmagem ou fotografia de Filipe Martins estava proibida. Além de configurar cerceamento evidente ao trabalho da imprensa, a medida prejudicou a atuação da defesa e carecia de qualquer respaldo legal, como reconheceu a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que participou da sessão como observadora.
O tom da sessão seguiu na mesma linha: atropelos ao devido processo legal. Assim como fizera na sessão que tornou Jair Bolsonaro réu, Moraes exibiu imagens que não constavam dos autos – como a de um ônibus incendiado, ocorrido em data e contexto diferentes dos fatos julgados. Outro ponto grave foi o acesso negado à defesa a dados de geolocalização que poderiam comprovar a ausência de Martins em reuniões citadas na denúncia. Segundo os advogados, os dados estavam sob custódia da Polícia Federal após quebra de sigilo, mas não foram incluídos nos autos.
Como se não bastasse, Alexandre de Moraes ainda usou sua fala durante a sessão para se posicionar contra a anistia, referindo-se ao 8 de janeiro como “tentativa de quebra do Estado Democrático de Direito” e comparando o episódio à ação de um “grupo armado organizado”. Postura destoante da de um magistrado que deveria atuar com neutralidade e imparcialidade.
Numa democracia, qualquer julgamento – do mais simples ao mais complexo, independentemente de quem esteja sendo julgado – deve ser pautado pelo devido processo legal. O cumprimento rigoroso dessas normas é a única garantia de um julgamento justo. Quando esse rigor é abandonado para dar lugar a invencionices e arbitrariedades, ainda que sob o pretexto de boas intenções, não são apenas os julgamentos que se tornam injustos: é a própria Justiça que acaba ferida de morte. Infelizmente, o STF parece determinado a seguir por esse caminho.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/filipe-martins-reu-abusos-stf/