What is Nostr?
pollyanna
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2024-10-22 13:15:42

pollyanna on Nostr: mais um conto de 2020 --- Duas caixas de madeira empilhadas estavam encostadas na ...

mais um conto de 2020

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Duas caixas de madeira empilhadas estavam encostadas na parede. Alguns passos à frente delas havia um poço onde um homem coletava água com um balde também de madeira.

O homem levara uma bacia de alumínio e a colocou ao lado do poço. Aos poucos ele a ia enchendo com a água.

Quando terminou de encher, o homem pegou a bacia e foi caminhando até as caixas. Poucos metros acima delas se podia ver uma mulher esperando na janela. O homem a olhou quando chegou. Sorriu e, ao vê-la assentir com a cabeça, subiu nas caixas, levantou a bacia esticando seus braços e entregou-lhe.

Ela rapidamente dispôs o utensílio em cima de uma estante, embebedou um pano no líquido e foi ao encontro de uma mulher que estava deitada na cama com o rosto molhado de suor.

A mulher não parecia bem. Estava movendo seu corpo como quem sente desconforto em qualquer posição. A cuidadora, com o pano em mãos, o deslizou em sua testa com delicadeza e cuidado.

A mulher na cama estava com os olhos pequenos, quase fechados, como quem precisa prestar atenção em seu mundo interno. Mas assim que a outra passou o pano pela terceira vez, dando leves batidinhas, ela abriu seus olhos completamente, como se voltasse de uma viagem interna profunda e estivesse perplexa com tudo o que ocorrera lá.

Aos poucos foi se levantando, se vestindo e descendo as escadas - para a surpresa de todos que dela cuidavam. Ela parecia confiante, mas, ao chegar no meio da escada, tropeçou em seu próprio pé e caiu rolando por alguns degraus.

Todos escutaram o barulho e vieram correndo acudi-la. Ela se sentou em um dos degraus, com as mãos abraçando os joelhos, e chorou. Ficou por alguns minutos nesse estado, até que olhou para todos à sua volta e agradeceu.

A mulher que cuidava dela e o homem que pegara a água a ajudaram a se levantar com suavidade foram até a sala para que ela se sentasse em uma poltrona. Ela se sentou e pediu um chá.

Enquanto esperava, pegou um papel e uma caneta que estavam em cima da mesa ao lado e começou a escrever uma carta com os dizeres: "Estou cansada. Por toda minha vida precisei ser forte e, na verdade, nem me lembro mais o motivo. Ser forte, para mim, era estar sempre pronta para meus afazeres e não me deixar abater por emoções tolas ou doenças quaisquer. Ser forte era ser respeitada pelos outros, ainda que sentissem também um pouco de medo. Mas isso tudo parece ter ido longe demais. Não tenho forças para controlar sequer minhas pernas, que dirá outras pessoas com quem convivo. Eu desisto. Me entrego a essa tristeza que me procura há tempos, sem cessar. Com ela vou dormir e, quem sabe, não mais acordar."

Deixou os escritos sobre a mesa e em cima colocara a caneta que rolou e caiu no chão. Abandonou seu corpo, que amoleceu completamente, com a cabeça caindo por cima do braço da poltrona. Seus olhos abertos e tristes demonstravam que ela tinha sido absorvida pela emoção.

Ela dava lentas piscadas e em algum momento dormiu. Sonhou que estava em uma bela paisagem verde com um lago ao fundo e ao lado dela estava sua mãe, que morrera quando ela era ainda pequena. Ela se despiu completamente e entrou no rio, mergulhando em suas profundezas.

Lá de dentro ela podia ver com nitidez tudo o que acontecia na superfície e viu sua mãe feliz vendo-a desfrutar daquilo tudo. Ela levantava e mergulhava novamente, vendo tudo com cada vez mais clareza. Foi então que viu chegar uma criança muito parecida com ela. A menina se aproximou e deu as mãos para a mãe da mulher e as duas foram embora felizes e tranquilas.

Naquele momento, a cuidadora tropeçara na caneta no chão ao chegar com o chá e mulher despertou. Olhou para o chá e para sua fiel companheira e chorou. Abraçou-a, pegou a carta e saiu sem tomar o chá. Ela havia se curado.
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