The Narrator on Nostr: **O bode expiatório em um escândalo de perseguição política** *Editorial da ...
**O bode expiatório em um escândalo de perseguição política**
*Editorial da Gazeta do Povo publicado em 06/04/2025*
Em um caso escandaloso de conluio entre tribunais com o objetivo de perseguição política, tudo indica que o único destinado a sofrer as consequências será aquele que é apontado como o responsável por fazer o Brasil tomar conhecimento das irregularidades. Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral, foi indiciado pela Polícia Federal na última quarta-feira, dia 2, por violação do sigilo funcional. Segundo a PF, Tagliaferro entregou ao jornal Folha de S.Paulo várias mensagens e áudios trocados entre ele e dois juízes que assessoravam Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, que Moraes presidiu entre agosto de 2022 e junho de 2024.
Nunca é demais recordar: as mensagens mostraram que havia uma atuação “fora do rito” (para usar o eufemismo formal) entre STF e TSE, na qual a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE – um dos muitos órgãos da superestrutura estatal apelidada de “Ministério da Verdade” e que Tagliaferro chefiava – produzia informações que, depois, embasariam decisões de Moraes nos inquéritos abusivos relatados por ele no Supremo. As mensagens deixam subentendido que várias decisões contra os alvos dos inquéritos já estavam previamente tomadas, mas precisavam de algum embasamento, que cabia à AEED providenciar. Em ao menos um caso a procedência de um documento foi alterada para evitar questionamentos. Em outra ocasião, Tagliaferro recebeu do juiz instrutor Airton Vieira a orientação de “usar sua criatividade” para encontrar algo que justificasse uma decisão de desmonetização da revista Oeste e outras “revistas golpistas”.
“Quando ele cisma, é uma tragédia”, diz Vieira a Tagliaferro em determinada ocasião, referindo-se ao chefe Moraes. Essa frase, combinada com tantas outras, do já citado “use sua criatividade” ao “capriche no relatório, por favor. Rsrsrs” (no caso, o objetivo era multar e censurar o colunista da Gazeta Rodrigo Constantino), indicam que o sistema de persecução penal foi totalmente invertido: as conclusões e os vereditos já estavam definidos, e cabia à AEED caçar qualquer justificativa, inclusive partindo para a criminalização da opinião crítica. Outro caso absurdo, desvendado graças às mensagens publicadas pela Folha, envolveu a perseguição de Moraes contra o ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese, censurado por uma publicação que não fez.
Em qualquer país minimamente decente, o uso escancarado da máquina judicial para perseguir críticos teria dado origem a uma investigação aprofundada, capaz de monopolizar as atenções da nação; seria um escândalo de enormes dimensões, como tantos outros ao longo da história que envolveram o uso do aparato estatal para atacar adversários políticos. Mas, no Brasil, as instituições uniram-se para blindar os protagonistas desse conluio antidemocrático, voltando-se contra Tagliaferro, como se fosse ele o grande – ou melhor, o único – infrator em todo esse episódio.
Ressalte-se que, embora Tagliaferro negue ter vazado as mensagens à Folha, não haveria razão para puni-lo ainda que ele admitisse ter entregue o conteúdo ao jornal. Estamos diante de um caso clássico de whistleblowing, o termo inglês que descreve a atividade de quem, tendo estado em uma empresa ou órgão público, revela práticas ilegais, irregulares, fraudulentas ou imorais. Por mais que o ordenamento jurídico brasileiro não ofereça garantias formais a essas pessoas, é bastante evidente que democracias protegem seus whistleblowers, pois eles fazem um favor à nação ao revelar os ilícitos que presenciou ou mesmo de que participou. Democracias investigam suas denúncias, não as acobertam. Que Tagliaferro seja potencialmente o único punido em todo esse escândalo diz muito sobre a situação atual do Brasil.
Como se tudo isso já não bastasse, um detalhe bastante importante da investigação contra o ex-assessor revela o estado das liberdades e garantias democráticas no país. Após apreender o celular de Tagliaferro, a PF vasculhou (com autorização de Moraes) as mensagens trocadas entre ele e seu advogado, alegando a necessidade de averiguar se havia uma “organização criminosa” com “objetivo comum”. O delegado Thiago Batista Peixe afirmou não ter encontrado nada incriminador, mas ainda assim esses diálogos estão com sigilo levantado desde novembro de 2024, e podem ser lidos e ouvidos por qualquer um que tenha acesso ao sistema do STF, violando o sigilo profissional entre advogado e cliente, garantido pela Constituição. Diante do absurdo, a Ordem dos Advogados do Brasil se limitou a dizer que a situação é “inaceitável” e que “acompanhará o caso com atenção redobrada”. Alguém haveria de se perguntar o que Moraes ainda teria de fazer para que a OAB finalmente se desse conta de que está lidando com um autêntico liberticida...
Tenha ou não vazado as mensagens, Eduardo Tagliaferro está destinado a ser o bode expiatório em um escândalo no qual ele é quem teria menos motivos para sofrer qualquer tipo de consequência. O Brasil já tem diversas vítimas de perseguição judicial, expostas para servir de “exemplo” a quem ousa criticar o STF e o TSE, da cabeleireira Débora à juíza Ludmila, passando por jornalistas e influenciadores censurados e com passaporte cassado. A eventual punição do ex-assessor do TSE acrescentaria uma nova categoria de “troféus de caça”, a de quem expõe ao país as entranhas do sistema que, em nome da “defesa da democracia”, não hesita em jogá-la no lixo.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/eduardo-tagliaferro-indiciamento-tse-stf-fora-do-rito/
*Editorial da Gazeta do Povo publicado em 06/04/2025*
Em um caso escandaloso de conluio entre tribunais com o objetivo de perseguição política, tudo indica que o único destinado a sofrer as consequências será aquele que é apontado como o responsável por fazer o Brasil tomar conhecimento das irregularidades. Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do Tribunal Superior Eleitoral, foi indiciado pela Polícia Federal na última quarta-feira, dia 2, por violação do sigilo funcional. Segundo a PF, Tagliaferro entregou ao jornal Folha de S.Paulo várias mensagens e áudios trocados entre ele e dois juízes que assessoravam Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, que Moraes presidiu entre agosto de 2022 e junho de 2024.
Nunca é demais recordar: as mensagens mostraram que havia uma atuação “fora do rito” (para usar o eufemismo formal) entre STF e TSE, na qual a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE – um dos muitos órgãos da superestrutura estatal apelidada de “Ministério da Verdade” e que Tagliaferro chefiava – produzia informações que, depois, embasariam decisões de Moraes nos inquéritos abusivos relatados por ele no Supremo. As mensagens deixam subentendido que várias decisões contra os alvos dos inquéritos já estavam previamente tomadas, mas precisavam de algum embasamento, que cabia à AEED providenciar. Em ao menos um caso a procedência de um documento foi alterada para evitar questionamentos. Em outra ocasião, Tagliaferro recebeu do juiz instrutor Airton Vieira a orientação de “usar sua criatividade” para encontrar algo que justificasse uma decisão de desmonetização da revista Oeste e outras “revistas golpistas”.
“Quando ele cisma, é uma tragédia”, diz Vieira a Tagliaferro em determinada ocasião, referindo-se ao chefe Moraes. Essa frase, combinada com tantas outras, do já citado “use sua criatividade” ao “capriche no relatório, por favor. Rsrsrs” (no caso, o objetivo era multar e censurar o colunista da Gazeta Rodrigo Constantino), indicam que o sistema de persecução penal foi totalmente invertido: as conclusões e os vereditos já estavam definidos, e cabia à AEED caçar qualquer justificativa, inclusive partindo para a criminalização da opinião crítica. Outro caso absurdo, desvendado graças às mensagens publicadas pela Folha, envolveu a perseguição de Moraes contra o ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese, censurado por uma publicação que não fez.
Em qualquer país minimamente decente, o uso escancarado da máquina judicial para perseguir críticos teria dado origem a uma investigação aprofundada, capaz de monopolizar as atenções da nação; seria um escândalo de enormes dimensões, como tantos outros ao longo da história que envolveram o uso do aparato estatal para atacar adversários políticos. Mas, no Brasil, as instituições uniram-se para blindar os protagonistas desse conluio antidemocrático, voltando-se contra Tagliaferro, como se fosse ele o grande – ou melhor, o único – infrator em todo esse episódio.
Ressalte-se que, embora Tagliaferro negue ter vazado as mensagens à Folha, não haveria razão para puni-lo ainda que ele admitisse ter entregue o conteúdo ao jornal. Estamos diante de um caso clássico de whistleblowing, o termo inglês que descreve a atividade de quem, tendo estado em uma empresa ou órgão público, revela práticas ilegais, irregulares, fraudulentas ou imorais. Por mais que o ordenamento jurídico brasileiro não ofereça garantias formais a essas pessoas, é bastante evidente que democracias protegem seus whistleblowers, pois eles fazem um favor à nação ao revelar os ilícitos que presenciou ou mesmo de que participou. Democracias investigam suas denúncias, não as acobertam. Que Tagliaferro seja potencialmente o único punido em todo esse escândalo diz muito sobre a situação atual do Brasil.
Como se tudo isso já não bastasse, um detalhe bastante importante da investigação contra o ex-assessor revela o estado das liberdades e garantias democráticas no país. Após apreender o celular de Tagliaferro, a PF vasculhou (com autorização de Moraes) as mensagens trocadas entre ele e seu advogado, alegando a necessidade de averiguar se havia uma “organização criminosa” com “objetivo comum”. O delegado Thiago Batista Peixe afirmou não ter encontrado nada incriminador, mas ainda assim esses diálogos estão com sigilo levantado desde novembro de 2024, e podem ser lidos e ouvidos por qualquer um que tenha acesso ao sistema do STF, violando o sigilo profissional entre advogado e cliente, garantido pela Constituição. Diante do absurdo, a Ordem dos Advogados do Brasil se limitou a dizer que a situação é “inaceitável” e que “acompanhará o caso com atenção redobrada”. Alguém haveria de se perguntar o que Moraes ainda teria de fazer para que a OAB finalmente se desse conta de que está lidando com um autêntico liberticida...
Tenha ou não vazado as mensagens, Eduardo Tagliaferro está destinado a ser o bode expiatório em um escândalo no qual ele é quem teria menos motivos para sofrer qualquer tipo de consequência. O Brasil já tem diversas vítimas de perseguição judicial, expostas para servir de “exemplo” a quem ousa criticar o STF e o TSE, da cabeleireira Débora à juíza Ludmila, passando por jornalistas e influenciadores censurados e com passaporte cassado. A eventual punição do ex-assessor do TSE acrescentaria uma nova categoria de “troféus de caça”, a de quem expõe ao país as entranhas do sistema que, em nome da “defesa da democracia”, não hesita em jogá-la no lixo.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/eduardo-tagliaferro-indiciamento-tse-stf-fora-do-rito/