The Narrator on Nostr: **Censura não tem ombro** *Artigo de Luciano Trigo publicado em 15/04/2025 na Gazeta ...
**Censura não tem ombro**
*Artigo de Luciano Trigo publicado em 15/04/2025 na Gazeta do Povo*
Vivemos a era do bom-mocismo autoritário. Em nome do combate ao ódio, da defesa da democracia ou da proteção de minorias, governos, tribunais e plataformas estão normalizando um mundo onde duvidar é suspeito, discordar é perigoso e criticar é comportamento de risco.
A democracia está se tornando um teatro controlado, um campo minado onde a liberdade de expressão não está morrendo de tiro, mas de inanição. Um império da virtude fake, onde só é permitido aplaudir – e apontar o dedo para quem não aplaude. Quem não se enquadrar será tratado como criminoso moral.
O cerco à liberdade de expressão ganha contornos institucionais. Aqueles que deveriam ser responsáveis por salvaguardar garantias individuais passaram a protagonizar uma campanha ostensiva de controle do discurso público.
Criminaliza-se, por exemplo, o discurso de ódio, o que parece muito bom. Ora, quem pode ser a favor do ódio? Mas, como se trata de um conceito vago e elástico, o combate ao ódio pode ser usado de forma seletiva, servindo à perseguição política e mirando adversários - sem transparência, consistência nem proporcionalidade.
Sobre diversos temas, já não é possível falar sem medo: a crítica, a dúvida e até mesmo o humor estão interditados. E não está acontecendo só no Brasil. Na Europa, qualquer crítica ao islamismo radical é rotulada como islamofobia; qualquer crítica à ideologia de gênero é rotulada como transfobia; qualquer crítica à imigração descontrolada é rotulada como xenofobia.
No Reino Unido, berço do liberalismo moderno, a liberdade de expressão está sob ataque crescente. Casos como o de Isabel Vaughan-Spruce, presa em Birmingham em novembro de 2022 (e novamente em março de 2023) por orar silenciosamente do lado de fora de uma clínica de aborto, ou de cidadãos presos por postagens percebidas como ofensivas nas redes sociais, revelam um Estado cada vez mais disposto a vigiar e punir.
Alega-se que a censura é para proteger os mais vulneráveis. Mas quem garante que, amanhã, o mesmo mecanismo não será usado contra eles? O histórico do abuso de poder é claro, e o roteiro é sempre o mesmo: ferramentas criadas para "proteger" são recicladas para perseguir e oprimir. Foi assim em todas as ditaduras, camufladas ou não.
O mais perturbador é que tudo isso vem sendo feito sob aplausos de muita gente. Qual é o truque? O que leva pessoas comuns a apoiar a censura - que um dia fatalmente se voltará contra elas?
A nova onda censora não se apresenta como opressão, mas como cuidado. A censura se sofisticou. Ela se vende como zelosa, protetora, garantidora. Não bate mais na porta com farda e coturno: chega de toga ou terno, com palavras bonitas e o sorriso de quem se sente moralmente superior. É a lógica do “Leviatã simpático”, do autoritarismo do bem.
A censura mudou na forma, mas seu efeito é o mesmo. O medo de ofender intimida e constrange, porque o cidadão comum já não sabe mais o que é permitido falar. Qualquer opinião que não se enquadre na cartilha oficial é um potencial delito. Qualquer palavra mal interpretada pode custar a reputação, a carreira ou mesmo a liberdade.
Só tem um probleminha: a censura não tem ombro.
Disseminada nas redes sociais nos últimos anos, a frase acima espelha a situação que vivemos hoje. Por bem intencionada que seja, uma vez estabelecida, normalizada e institucionalizada, é muito difícil conter a censura. Raramente ela se limita ao seu propósito inicial. E frequentemente se abate sobre muitos daqueles que a defenderam.
Um exemplo é a evolução das políticas de moderação em plataformas digitais. Inicialmente focadas em conteúdos extremos, como incitação à violência, muitas plataformas passaram a suprimir opiniões políticas legítimas ou mesmo sátiras.
A liberdade de expressão, consagrada em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não é apenas o direito de falar, mas também de ouvir, questionar e debater. Historicamente, ela foi essencial para incontáveis avanços sociais, como o fim da escravidão, os direitos civis e a igualdade de gênero.
Ideias que hoje são aceitas universalmente, começando pelo heliocentrismo, já foram consideradas heréticas ou perigosas. A História mostra que o confronto de ideias, ainda que desconfortável, é essencial para a saúde e o desenvolvimento de uma sociedade.
Porque toda tentativa de criar uma sociedade totalmente protegida do incômodo resulta, inevitavelmente, em uma sociedade totalmente desprotegida da tirania
As consequências desse processo já são palpáveis. O silêncio vira norma. Jornalistas precisam medir as palavras, para não se transformar no próximo alvo. Formadores de opinião se calam. Professores se autocensuram em sala de aula. Artistas evitam temas controversos. Falo, é claro, dos jornalistas, formadores de opinião, professores e artistas que teimam em pensar diferente. Os que aderem não precisam se preocupar.
Outro efeito evidente é a erosão da confiança do povo nas Instituições. Quando a Justiça é percebida como parcial ou arbitrária, o cidadão comum pode até se calar, mas também deixa de acreditar no sistema. Casos como a remoção, durante a pandemia, de conteúdos que mais tarde foram validados, ilustram como a supressão de vozes pode minar a credibilidade de governos e plataformas.
Além disso, censurar frequentemente leva ao “efeito Streisand”: a tentativa de suprimir algo aumenta sua visibilidade. Empresas que tentam silenciar críticas ou governos que tentam calar opiniões geram curiosidade e aumentam a disseminação do conteúdo proibido em espaços alternativos, como fóruns ou plataformas menos reguladas.
É preciso afirmar o óbvio: a liberdade de expressão não existe para proteger o consensual, o popular, o elogioso. Ela existe justamente para proteger o incômodo, o polêmico, o crítico. Quando se cala na marra uma ideia, boa ou ruim, ela não desaparece — ela começa fermentar no subterrâneo, para um dia voltar, ainda com mais força por ter sido injustiçada.
O autoritarismo nunca se apresenta como tal. Ele sempre vem disfarçado de justiça e boas intenções. A História está repleta de regimes que começaram censurando para proteger o povo e terminaram como um Estado policial que persegue o povo que supostamente protegia.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/luciano-trigo/censura-nao-tem-ombro/
*Artigo de Luciano Trigo publicado em 15/04/2025 na Gazeta do Povo*
Vivemos a era do bom-mocismo autoritário. Em nome do combate ao ódio, da defesa da democracia ou da proteção de minorias, governos, tribunais e plataformas estão normalizando um mundo onde duvidar é suspeito, discordar é perigoso e criticar é comportamento de risco.
A democracia está se tornando um teatro controlado, um campo minado onde a liberdade de expressão não está morrendo de tiro, mas de inanição. Um império da virtude fake, onde só é permitido aplaudir – e apontar o dedo para quem não aplaude. Quem não se enquadrar será tratado como criminoso moral.
O cerco à liberdade de expressão ganha contornos institucionais. Aqueles que deveriam ser responsáveis por salvaguardar garantias individuais passaram a protagonizar uma campanha ostensiva de controle do discurso público.
Criminaliza-se, por exemplo, o discurso de ódio, o que parece muito bom. Ora, quem pode ser a favor do ódio? Mas, como se trata de um conceito vago e elástico, o combate ao ódio pode ser usado de forma seletiva, servindo à perseguição política e mirando adversários - sem transparência, consistência nem proporcionalidade.
Sobre diversos temas, já não é possível falar sem medo: a crítica, a dúvida e até mesmo o humor estão interditados. E não está acontecendo só no Brasil. Na Europa, qualquer crítica ao islamismo radical é rotulada como islamofobia; qualquer crítica à ideologia de gênero é rotulada como transfobia; qualquer crítica à imigração descontrolada é rotulada como xenofobia.
No Reino Unido, berço do liberalismo moderno, a liberdade de expressão está sob ataque crescente. Casos como o de Isabel Vaughan-Spruce, presa em Birmingham em novembro de 2022 (e novamente em março de 2023) por orar silenciosamente do lado de fora de uma clínica de aborto, ou de cidadãos presos por postagens percebidas como ofensivas nas redes sociais, revelam um Estado cada vez mais disposto a vigiar e punir.
Alega-se que a censura é para proteger os mais vulneráveis. Mas quem garante que, amanhã, o mesmo mecanismo não será usado contra eles? O histórico do abuso de poder é claro, e o roteiro é sempre o mesmo: ferramentas criadas para "proteger" são recicladas para perseguir e oprimir. Foi assim em todas as ditaduras, camufladas ou não.
O mais perturbador é que tudo isso vem sendo feito sob aplausos de muita gente. Qual é o truque? O que leva pessoas comuns a apoiar a censura - que um dia fatalmente se voltará contra elas?
A nova onda censora não se apresenta como opressão, mas como cuidado. A censura se sofisticou. Ela se vende como zelosa, protetora, garantidora. Não bate mais na porta com farda e coturno: chega de toga ou terno, com palavras bonitas e o sorriso de quem se sente moralmente superior. É a lógica do “Leviatã simpático”, do autoritarismo do bem.
A censura mudou na forma, mas seu efeito é o mesmo. O medo de ofender intimida e constrange, porque o cidadão comum já não sabe mais o que é permitido falar. Qualquer opinião que não se enquadre na cartilha oficial é um potencial delito. Qualquer palavra mal interpretada pode custar a reputação, a carreira ou mesmo a liberdade.
Só tem um probleminha: a censura não tem ombro.
Disseminada nas redes sociais nos últimos anos, a frase acima espelha a situação que vivemos hoje. Por bem intencionada que seja, uma vez estabelecida, normalizada e institucionalizada, é muito difícil conter a censura. Raramente ela se limita ao seu propósito inicial. E frequentemente se abate sobre muitos daqueles que a defenderam.
Um exemplo é a evolução das políticas de moderação em plataformas digitais. Inicialmente focadas em conteúdos extremos, como incitação à violência, muitas plataformas passaram a suprimir opiniões políticas legítimas ou mesmo sátiras.
A liberdade de expressão, consagrada em documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não é apenas o direito de falar, mas também de ouvir, questionar e debater. Historicamente, ela foi essencial para incontáveis avanços sociais, como o fim da escravidão, os direitos civis e a igualdade de gênero.
Ideias que hoje são aceitas universalmente, começando pelo heliocentrismo, já foram consideradas heréticas ou perigosas. A História mostra que o confronto de ideias, ainda que desconfortável, é essencial para a saúde e o desenvolvimento de uma sociedade.
Porque toda tentativa de criar uma sociedade totalmente protegida do incômodo resulta, inevitavelmente, em uma sociedade totalmente desprotegida da tirania
As consequências desse processo já são palpáveis. O silêncio vira norma. Jornalistas precisam medir as palavras, para não se transformar no próximo alvo. Formadores de opinião se calam. Professores se autocensuram em sala de aula. Artistas evitam temas controversos. Falo, é claro, dos jornalistas, formadores de opinião, professores e artistas que teimam em pensar diferente. Os que aderem não precisam se preocupar.
Outro efeito evidente é a erosão da confiança do povo nas Instituições. Quando a Justiça é percebida como parcial ou arbitrária, o cidadão comum pode até se calar, mas também deixa de acreditar no sistema. Casos como a remoção, durante a pandemia, de conteúdos que mais tarde foram validados, ilustram como a supressão de vozes pode minar a credibilidade de governos e plataformas.
Além disso, censurar frequentemente leva ao “efeito Streisand”: a tentativa de suprimir algo aumenta sua visibilidade. Empresas que tentam silenciar críticas ou governos que tentam calar opiniões geram curiosidade e aumentam a disseminação do conteúdo proibido em espaços alternativos, como fóruns ou plataformas menos reguladas.
É preciso afirmar o óbvio: a liberdade de expressão não existe para proteger o consensual, o popular, o elogioso. Ela existe justamente para proteger o incômodo, o polêmico, o crítico. Quando se cala na marra uma ideia, boa ou ruim, ela não desaparece — ela começa fermentar no subterrâneo, para um dia voltar, ainda com mais força por ter sido injustiçada.
O autoritarismo nunca se apresenta como tal. Ele sempre vem disfarçado de justiça e boas intenções. A História está repleta de regimes que começaram censurando para proteger o povo e terminaram como um Estado policial que persegue o povo que supostamente protegia.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/luciano-trigo/censura-nao-tem-ombro/