ronaldrobson on Nostr: Por um completo acaso, duas semanas antes de assistir a “Oppenheimer”, do Nolan, ...
Por um completo acaso, duas semanas antes de assistir a “Oppenheimer”, do Nolan, vi este filme sobre outro participante do Projeto Manhattan: “Adventures of a Mathematician” (no Brasil: “O matemático”, fazer o quê).
Trata da vida de Stanisław Ulam, ou Stam, que atravessou meio século da história da matemática do século XX provando teoremas importantes e lançando conjeturas valiosas em diferentes áreas, mas cujo nome ficou ligado quase que exclusivamente ao algoritmo de Monte Carlo, o que não é pouca coisa, ainda mais com tanta atenção hoje voltada para machine learning, área da computação impensável sem aquele algoritmo.
Ulam, pelo pouco que li de suas memórias (o filme se baseia nelas), era desses casos que o também matemático (e também escritor) Paul Halmos incluía no grupo dos apegados a formas, a linguagens, a conceitos, e não aos aspectos quantitativos mais próprios a áreas como análise e estatística. Suas reflexões sobre jogos, como o filme bem retrata, serviram de inspiração a John von Neumann, um dos fundadores da teoria de… jogos (influência que eu desconhecia e acho que passa longe de ser lugar-comum).
Como isto não é uma resenha de “Adventures of a Mathematician”, filme pouco ambicioso mas bom e sólido no que se propõe realizar, tomo logo a liberdade de dizer que o retrato de von Neumann, melhor amigo de Ulam, é desconcertante. Vocês devem saber, ou talvez não saibam, que von Neumann foi um dos “marcianos”, aquela geração de cientistas húngaros emigrados para os Estados Unidos que lá fizeram descobertas assombrosas e foram, em alguns casos, determinantes para a vitória do país na Segunda Guerra Mundial (von Neumann trabalhou em projetos militares os mais diversos, do sistema de mira de mísseis à bomba atômica e ao primeiro computador). Era um bon vivant e um anticomunista decidido. A imagem de sua solidão no filme, canceroso a morrer quase só num hospital, me deu o que pensar por alguns dias.
O que pensar, sim — mas o quê, exatamente? É que, em contraste com ele e a grande maioria dos matemáticos famosos à época, Ulam era uma pessoa normal, séria, responsável, diria até que comodamente burguesa. Judeu polonês escapado do nazismo que acabaria matando seus pais e sua irmã, morreu de uma velhice familiar e bem vivida, e seria impossível imaginá-lo desassistido num hospital como o amigo Johnny (como von Neumann é chamado ao longo do filme todo). Fiquei a lembrar do que Wozniak uma vez disse a Steve Jobs: para ser um gênio você não precisa ser um filho da puta.
Foi isso que me fez desgostar de algo que talvez pudesse ter ignorado em “Oppenheimer”. A tentativa de transformar sua história numa fábula da tragédia americana, com uma insistência chata em imagens de “caos” e explosão que expressariam algo do estado de espírito do protagonista (com uma analogia previsível entre mundo subatômico e estratos profundos da consciência), piora um pouco o que deveria ter sido um filme hollywoodiano sobriamente clássico.
Já Ulam, não mencionado diretamente em “Oppenheimer” talvez porque participasse da equipe de engenharia direta da bomba sob a supervisão de Edward Teller (Oppenheimer lidou mais diretamente com a parte teórica e a gerência geral do projeto), aparece em “Adventures of a Mathematician” como um participante reticente de um projeto que vez ou outra lhe parecia irracional, quando não demoníaco. Ele não se sente participante de uma tragédia, embora se sinta intelectualmente desafiado pelas tarefas que lhe passavam. Parece apenas não saber bem o que fazer da própria vida e não considera que a fama ofereça um consolo fácil.
O filme sobre Ulam me chamou atenção por alcançar um retrato equilibrado, em cinematografia popular, do que é uma carreira científica de sucesso. Não incorre no romantismo com que nos acostumamos a conceber a vida de matemáticos e sem o qual o filme “Oppenheimer” não fica de pé. É muito para um filme que pretendeu alcançar bem pouco.
https://www.youtube.com/watch?v=SZ2YupFolFA
Trata da vida de Stanisław Ulam, ou Stam, que atravessou meio século da história da matemática do século XX provando teoremas importantes e lançando conjeturas valiosas em diferentes áreas, mas cujo nome ficou ligado quase que exclusivamente ao algoritmo de Monte Carlo, o que não é pouca coisa, ainda mais com tanta atenção hoje voltada para machine learning, área da computação impensável sem aquele algoritmo.
Ulam, pelo pouco que li de suas memórias (o filme se baseia nelas), era desses casos que o também matemático (e também escritor) Paul Halmos incluía no grupo dos apegados a formas, a linguagens, a conceitos, e não aos aspectos quantitativos mais próprios a áreas como análise e estatística. Suas reflexões sobre jogos, como o filme bem retrata, serviram de inspiração a John von Neumann, um dos fundadores da teoria de… jogos (influência que eu desconhecia e acho que passa longe de ser lugar-comum).
Como isto não é uma resenha de “Adventures of a Mathematician”, filme pouco ambicioso mas bom e sólido no que se propõe realizar, tomo logo a liberdade de dizer que o retrato de von Neumann, melhor amigo de Ulam, é desconcertante. Vocês devem saber, ou talvez não saibam, que von Neumann foi um dos “marcianos”, aquela geração de cientistas húngaros emigrados para os Estados Unidos que lá fizeram descobertas assombrosas e foram, em alguns casos, determinantes para a vitória do país na Segunda Guerra Mundial (von Neumann trabalhou em projetos militares os mais diversos, do sistema de mira de mísseis à bomba atômica e ao primeiro computador). Era um bon vivant e um anticomunista decidido. A imagem de sua solidão no filme, canceroso a morrer quase só num hospital, me deu o que pensar por alguns dias.
O que pensar, sim — mas o quê, exatamente? É que, em contraste com ele e a grande maioria dos matemáticos famosos à época, Ulam era uma pessoa normal, séria, responsável, diria até que comodamente burguesa. Judeu polonês escapado do nazismo que acabaria matando seus pais e sua irmã, morreu de uma velhice familiar e bem vivida, e seria impossível imaginá-lo desassistido num hospital como o amigo Johnny (como von Neumann é chamado ao longo do filme todo). Fiquei a lembrar do que Wozniak uma vez disse a Steve Jobs: para ser um gênio você não precisa ser um filho da puta.
Foi isso que me fez desgostar de algo que talvez pudesse ter ignorado em “Oppenheimer”. A tentativa de transformar sua história numa fábula da tragédia americana, com uma insistência chata em imagens de “caos” e explosão que expressariam algo do estado de espírito do protagonista (com uma analogia previsível entre mundo subatômico e estratos profundos da consciência), piora um pouco o que deveria ter sido um filme hollywoodiano sobriamente clássico.
Já Ulam, não mencionado diretamente em “Oppenheimer” talvez porque participasse da equipe de engenharia direta da bomba sob a supervisão de Edward Teller (Oppenheimer lidou mais diretamente com a parte teórica e a gerência geral do projeto), aparece em “Adventures of a Mathematician” como um participante reticente de um projeto que vez ou outra lhe parecia irracional, quando não demoníaco. Ele não se sente participante de uma tragédia, embora se sinta intelectualmente desafiado pelas tarefas que lhe passavam. Parece apenas não saber bem o que fazer da própria vida e não considera que a fama ofereça um consolo fácil.
O filme sobre Ulam me chamou atenção por alcançar um retrato equilibrado, em cinematografia popular, do que é uma carreira científica de sucesso. Não incorre no romantismo com que nos acostumamos a conceber a vida de matemáticos e sem o qual o filme “Oppenheimer” não fica de pé. É muito para um filme que pretendeu alcançar bem pouco.
https://www.youtube.com/watch?v=SZ2YupFolFA