Explicando o óbvio: por que não é crime criticar o governo
Explicando o óbvio: por que não é crime criticar o governo
Artigo de Marlice Pinto Vilela publicado em 19/01/2025
Não há qualquer crime em criticar políticas públicas adotadas pelo governo. Embora pareça óbvio, declarações como a de uma jornalista que afirmou, em rede nacional, ser crime “desacreditar” ou “atacar” medidas públicas mostram como é fundamental reafirmar o que é um princípio básico da democracia. Argumentos falaciosos como esse diminuem o espaço para o debate político, enfraquecem a democracia e limitam o pleno exercício da cidadania.
Essa questão ganhou ainda mais relevância após o governo, pressionado pela população e a oposição, revogar a instrução normativa que ampliava a fiscalização do Pix e dos gastos com cartões de crédito. Em resposta à oposição, órgãos como a Advocacia-Geral da União e grupos jurídicos, como o Prerrogativas, afirmaram que acionarão juridicamente aqueles que se opuseram à medida, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).
As judicializações de declarações ou críticas feitas ao governo têm o potencial de amedrontar a população e prejudicar a fiscalização legítima de autoridades. “Não há dúvidas de que a eventual judicialização ou criminalização de críticas políticas representa uma ameaça à liberdade de expressão, situação que adoece o espaço público e possui grave impacto na saúde da democracia”, explica Bruno Coletto, doutor em Direito pela UFRGS e cientista político.
Pluralidade de opiniões está ameaçada por excesso de judicialização
No contexto de um crescente excesso de judicialização, também se intensifica a narrativa de que é necessário combater a “desinformação” e as “fake news”, muitas vezes impulsionada por declarações de jornalistas e outras figuras pública. Esse discurso de “combate à desinformação”, sem critérios objetivos, acaba por atingir de maneira desproporcional apenas um espectro político. Isso contribui também para a redução de críticas a autoridades públicas, fragilizando a pluralidade de opiniões.
Na última quarta-feira (15), a jornalista Eliane Cantanhêde - ao comentar sobre um vídeo em que o deputado federal Nikolas Ferreira critica o governo - afirmou que “desacreditar ou atacar medidas públicas é crime”. O comentário foi feito ao vivo, durante o programa Em Pauta, da GloboNews. Uma publicação no X com o trecho da fala de Cantanhêde foi verificada pelos usuários. A nota da comunidade afirma que a liberdade de duvidar e criticar ações do governo está amparada pela Constituição Federal (art. 5º) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19).
O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, destaca que um dos perigos de popularizar a idéia de que não pode haver críticas ao governo é diminuir o debate público. “O efeito disso é haver autocensura nas pessoas e silenciamento do debate público. Isso é um problema sobretudo para jornalistas e políticos que têm o dever, não apenas o direito, de criticar e fiscalizar o governo”, enfatiza.
O vídeo de Nikolas Ferreira, citado por Cantanhêde, tratava sobre a instrução normativa do governo Lula em relação às transferências instantâneas – mais popularmente conhecidas como Pix – e teve um alcance astronômico. Até o momento, o conteúdo ultrapassou 300 milhões de visualização. O material chegou a bater o recorde de vídeo mais visto durante as primeiras 24 horas após a publicação.
Proibir críticas é próprio de ditaduras; governos democráticos devem aceitá-las
Marsiglia explica que a inibição de críticas é uma prática comum em ditaduras. “Em uma democracia, o Estado tem de aceitar todas as críticas, e ainda ser grato. Os governantes estão lá por nós e para nós, e é nossa função cobrar e criticar. A função do Estado, em um país democrático, é promover e estimular o debate. Controlar a crítica e inibir a fala são características de regimes autoritários e tirânicos”, ressalta.
A legislação brasileira já prevê crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação. Caso alguém se sinta ofendido por algum conteúdo que considere falso ou difamatório, é possível acionar a Justiça de forma pessoal, não por meio de órgãos governamentais. O uso dessas leis, no entanto, está restrito a situações concretas e comprovadas e não como um instrumento de censura.
Outro aspecto perigoso relacionado ao excesso de judicialização de questões políticas é o aparelhamento no Judiciário. “Apenas defende a criminalização de uma opinião aquele que possui a certeza prévia de que o sistema jurídico, na hora de julgar, concordará politicamente com a opinião dominante e que faz a acusação”, explica Coletto. De acordo com o jurista, isso dificulta a separação entre direito e política. Ele complementa que “a imparcialidade do direito parece, para quem pensa assim, inexistir”.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/nao-e-crime-criticar-governo/
Artigo de Marlice Pinto Vilela publicado em 19/01/2025
Não há qualquer crime em criticar políticas públicas adotadas pelo governo. Embora pareça óbvio, declarações como a de uma jornalista que afirmou, em rede nacional, ser crime “desacreditar” ou “atacar” medidas públicas mostram como é fundamental reafirmar o que é um princípio básico da democracia. Argumentos falaciosos como esse diminuem o espaço para o debate político, enfraquecem a democracia e limitam o pleno exercício da cidadania.
Essa questão ganhou ainda mais relevância após o governo, pressionado pela população e a oposição, revogar a instrução normativa que ampliava a fiscalização do Pix e dos gastos com cartões de crédito. Em resposta à oposição, órgãos como a Advocacia-Geral da União e grupos jurídicos, como o Prerrogativas, afirmaram que acionarão juridicamente aqueles que se opuseram à medida, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).
As judicializações de declarações ou críticas feitas ao governo têm o potencial de amedrontar a população e prejudicar a fiscalização legítima de autoridades. “Não há dúvidas de que a eventual judicialização ou criminalização de críticas políticas representa uma ameaça à liberdade de expressão, situação que adoece o espaço público e possui grave impacto na saúde da democracia”, explica Bruno Coletto, doutor em Direito pela UFRGS e cientista político.
Pluralidade de opiniões está ameaçada por excesso de judicialização
No contexto de um crescente excesso de judicialização, também se intensifica a narrativa de que é necessário combater a “desinformação” e as “fake news”, muitas vezes impulsionada por declarações de jornalistas e outras figuras pública. Esse discurso de “combate à desinformação”, sem critérios objetivos, acaba por atingir de maneira desproporcional apenas um espectro político. Isso contribui também para a redução de críticas a autoridades públicas, fragilizando a pluralidade de opiniões.
Na última quarta-feira (15), a jornalista Eliane Cantanhêde - ao comentar sobre um vídeo em que o deputado federal Nikolas Ferreira critica o governo - afirmou que “desacreditar ou atacar medidas públicas é crime”. O comentário foi feito ao vivo, durante o programa Em Pauta, da GloboNews. Uma publicação no X com o trecho da fala de Cantanhêde foi verificada pelos usuários. A nota da comunidade afirma que a liberdade de duvidar e criticar ações do governo está amparada pela Constituição Federal (art. 5º) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 19).
O advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, destaca que um dos perigos de popularizar a idéia de que não pode haver críticas ao governo é diminuir o debate público. “O efeito disso é haver autocensura nas pessoas e silenciamento do debate público. Isso é um problema sobretudo para jornalistas e políticos que têm o dever, não apenas o direito, de criticar e fiscalizar o governo”, enfatiza.
O vídeo de Nikolas Ferreira, citado por Cantanhêde, tratava sobre a instrução normativa do governo Lula em relação às transferências instantâneas – mais popularmente conhecidas como Pix – e teve um alcance astronômico. Até o momento, o conteúdo ultrapassou 300 milhões de visualização. O material chegou a bater o recorde de vídeo mais visto durante as primeiras 24 horas após a publicação.
Proibir críticas é próprio de ditaduras; governos democráticos devem aceitá-las
Marsiglia explica que a inibição de críticas é uma prática comum em ditaduras. “Em uma democracia, o Estado tem de aceitar todas as críticas, e ainda ser grato. Os governantes estão lá por nós e para nós, e é nossa função cobrar e criticar. A função do Estado, em um país democrático, é promover e estimular o debate. Controlar a crítica e inibir a fala são características de regimes autoritários e tirânicos”, ressalta.
A legislação brasileira já prevê crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação. Caso alguém se sinta ofendido por algum conteúdo que considere falso ou difamatório, é possível acionar a Justiça de forma pessoal, não por meio de órgãos governamentais. O uso dessas leis, no entanto, está restrito a situações concretas e comprovadas e não como um instrumento de censura.
Outro aspecto perigoso relacionado ao excesso de judicialização de questões políticas é o aparelhamento no Judiciário. “Apenas defende a criminalização de uma opinião aquele que possui a certeza prévia de que o sistema jurídico, na hora de julgar, concordará politicamente com a opinião dominante e que faz a acusação”, explica Coletto. De acordo com o jurista, isso dificulta a separação entre direito e política. Ele complementa que “a imparcialidade do direito parece, para quem pensa assim, inexistir”.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/nao-e-crime-criticar-governo/