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2025-02-06 20:36:54

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**“Estaremos prontos para eles?” A direita brasileira e a vida fora dos ciclos eleitorais**

*Artigo de Flávio Gordon publicado em 30/01/2025 na Gazeta do Povo*

A direita brasileira tem – ao menos – um grande problema: a incapacidade de se preparar para a derrota em tempos de triunfo e para a vitória em tempos de tribulação. Quase sempre reféns dos cálculos e estratégias concebidos em vista do próximo ciclo eleitoral.

Em geral, os direitistas brasileiros (e aqui falo apenas dos que se envolvem publicamente com a política) não se organizam para atuar, por assim dizer, desde fora da posição nominal de poder e do esquema eleitoral-partidário. Há pouco planejamento, pouca articulação e quase nenhuma elaboração de documentos com metas de longo prazo. Não há cadernos de teses, eventos para a elaboração de pautas consensuais, fóruns de debates, criação de instituições, associações, think tanks e outras pessoas jurídicas concernidas com a inserção de uma agenda de direita no debate político nacional. Tudo se passa como se a mera sugestão de raciocinar fora da lógica eleitoral imediatista consistisse numa espécie de pecado, seja o do idealismo inocente ou, ao contrário, o da defesa de interesses escusos.

E assim, acusado quer de burro, quer de oportunista, o direitista interessado no surgimento de uma força política duradoura e transcendente às vitórias e derrotas eleitorais acaba sem ter muito com quem dialogar.

O exemplo americano torna muito evidente essa fragilidade da nossa direita. A vitória eleitoral de Trump não surgiu do nada, e, muito embora esse fator tenha grande peso, não foi obra exclusiva de uma personalidade individual forte e talhada para a liderança. Em pleno governo Biden, antes do início do ciclo eleitoral, a direita americana vinha se preparando para o que fazer quando – e não se – o candidato Republicano se sagrasse vitorioso. É claro que, no plano das coisas, esse “quando” poderia não ter chegado, e o seu candidato poderia ter sido derrotado.

Mas o que importa é que as forças de direita nos EUA raciocinaram e agiram como se a vitória eleitoral fosse já uma realidade iminente, cujos frutos políticos teriam de ser aproveitados ao máximo, com planejamento, inteligência e organização. Ou seja, a direita americana não esperou a subida ao poder para, só então, implementar, quiçá de improviso, a sua agenda. Ao contrário, ela compreendeu que a construção meticulosa e a imposição de sua agenda no debate público são a precondição para a conquista do poder. A premissa para o planejamento das ações era a vitória, e não a derrota. O raciocínio não foi “já que não podemos ganhar, ao menos tentemos alguma concessão do inimigo vitorioso,” mas “já ganhamos e the winner takes it all”.

Já em janeiro de 2023, por exemplo, o maior think tank conservador americano, a Heritage Foundation (HF), começava a elaborar o seu Projeto 2025 – um documento de mais de 900 páginas, assinado por centenas de intelectuais, formadores de opinião, estrategistas e personalidades políticas, com participação de outras dezenas de instituições afins à HF, que apresentava um plano conjunto visando a preparar o terreno para “uma Casa Branca mais amigável à direita”.

Os autores desse importante documento político, que serviu na prática como um plano informal de transição presidencial, fizeram um profundo exame de consciência sobre o primeiro governo Trump, concluindo que a falta de planejamento, organização e formação de quadros os forçou a ceder em demasia ao establishment político, impossibilitando a implementação de uma agenda verdadeiramente de direita no país e permitindo o contra-ataque quase letal do inimigo.

Nas palavras de Spencer Chretien, diretor do HF:

“Durante décadas, enquanto a esquerda avançava nas instituições americanas, os conservadores foram superados tanto em estratégia quanto em influência na arte de governar. Uma das razões para isso é que o establishment republicano nunca superou a década de 1980. Os conservadores de Washington ainda priorizam a economia de oferta e uma política externa belicosa acima de tudo.

A crença em um governo pequeno, curiosamente, levou alguns conservadores a acharem que deveriam liderar pelo exemplo e não preencher todas as nomeações políticas. A crença na primazia do Estado de segurança nacional fez com que administrações conservadoras delegassem decisões políticas a generais e à comunidade de inteligência. O resultado foram décadas de decepções. Felizmente, essa situação está mudando. O movimento conservador está cada vez mais ciente do momento atual nos Estados Unidos. Mais políticos estão dispostos a usar o governo para concretizar suas visões, porque a neutralidade de ‘manter o governo fora disso’ sempre perderá para o vasto poder da esquerda.

Os apelos por uma ‘nova Comissão Church’ representam uma mudança significativa de postura; enquanto os conservadores antes criticavam o projeto original do senador esquerdista Frank Church como um ataque absurdo contra ‘os bravos homens e mulheres da nossa comunidade de inteligência’, agora somos nós que estamos pressionando o Congresso a investigar as agências de inteligência (...) Os suspeitos de sempre da classe política permanente estarão prontos para a próxima administração conservadora. Estaremos nós prontos para eles?”.

Na página oficial do Projeto 2025, encontramos uma firme declaração de princípios e motivos, bem como um claro estabelecimento de metas:

“O Projeto 2025 é um movimento histórico, formado por mais de 100 organizações respeitadas do movimento conservador, com o objetivo de desmantelar o ‘Estado Profundo’ e devolver o governo ao povo. Seu documento Mandate for Leadership: The Conservative Promise, publicado em abril de 2023, é resultado do trabalho de mais de 400 estudiosos e especialistas em políticas públicas de todo o país. O livro apresenta uma série de propostas para enfrentar os desafios mais profundos dos Estados Unidos e colocar o país de volta nos trilhos, incluindo:

Proteger a fronteira, concluir a construção do muro e deportar imigrantes ilegais;
Desarmar o governo federal, aumentando a responsabilização e a supervisão do FBI e do DOJ;
Liberar a produção de energia americana para reduzir os preços de energia;
Reduzir o crescimento dos gastos governamentais para combater a inflação;
Tornar os burocratas federais mais responsáveis perante o presidente e o Congresso eleitos democraticamente;
Melhorar a educação transferindo o controle e o financiamento das escolas dos burocratas de Washington diretamente para os pais e governos estaduais e locais;
Proibir a participação de homens biológicos em competições esportivas femininas”.

Em 2017, quando entrou pela primeira vez na Casa Branca, faltava a Trump um grupo consistente de aliados de confiança, que compartilhassem sua ideologia “America First” e sua pegada nacional-populista. Em 2025, esse grupo existe e conta com dezenas de milhares de integrantes, muitos deles preparados por iniciativas como as da HF e de outros think tanks conservadores, que ademais ajudam a pautar o novo governo de direita. Note-se que, já em seu primeiro dia no cargo, o presidente americano tratou de cumprir alguns dos itens elencados no Projeto 2025.

Mas, ainda que Trump não execute todo o programa anunciado no documento da HF (do qual, por motivos estratégicos, procurou se distanciar no decorrer da campanha), é certo que adotará muitas de suas recomendações para reestruturar o Estado americano, o qual, contrariamente ao que se passou em sua primeira administração, deverá agora servir de instrumento à implementação efetiva do mandato popular concedido ao presidente eleito, consagrando uma mera vitória eleitoral em vitória política – uma diferença fundamental, que boa parte da direita brasileira parece não enxergar.

É legítimo imaginar que, ao final do novo mandato de Donald Trump, os Estados Unidos serão um país irreconhecível, pois que muito distinto daquele dos últimos 40 anos, desde ao menos o governo de Bush pai, quando o Deep State começou lentamente a assumir o protagonismo, substituindo o “We, the People” da Constituição pelo “We, the burocrats”. Mas serão também, possivelmente, o mesmo país de sempre, tal como fundamentalmente concebido pelos Pais Fundadores, cujos vultos o movimento trumpista busca verdadeiramente honrar, e cujas estátuas vinham sendo derrubadas pela esquerda radical ligada ao Partido Democrata contemporâneo.

E quanto à direita brasileira? Será ela capaz de se preparar para uma possível vitória política futura, posto que aparentemente tão distante e improvável nas presentes circunstâncias? Será, ao menos, capaz de se preparar para novas possíveis derrotas eleitorais, sem entregar de antemão, por derrotismo existencial ou frenesi arrivista, princípios, valores e coerência? Estará disposta ao necessário exercício de autocrítica, fora do espírito autofágico das tretas de rede social?

Quanto a isso, só o tempo dirá... O que se pode afirmar com certeza é que, tanto em caso de vitória quanto de derrota, a direita brasileira precisará de clareza de princípios, formulação de objetivos (políticos, não eleitorais) e planejamento de ações. A não ser que se contente em viver de espasmos ciclotímicos e rompantes de ébria euforia seguidos de ressaca moral. Uma direita eternamente presa no triste verso de Manuel Bandeira: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi”.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/flavio-gordon/estaremos-prontos-eles-direita-brasileira-vida-fora-ciclos-eleitorais/
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